O tênis é um esporte de elite. Eu pensava que havia sido criado na Inglaterra no século XIX, mas li hoje que o seu nome vem do francês tenez e que os franceses já o praticavam 600 anos antes. Disputas de paternidade (ou será maternidade?) à parte, o fato é que associamos o esporte à ilha britânica devido a Wimbledon, o torneio mais antigo e mais famoso.
Praticar tênis não é barato. Além das raquetes, que não duram para sempre, até recentemente havia-se que pertencer a um clube com pelo menos uma quadra, de grama ou de saibro. Nos EUA, no Brasil, na Inglaterra e na França, tais clubes são caros e, não raro, racialmente excludentes. Historicamente, os rostos negros que se viam nos country clubs estavam lá para servir a sócio(a)s não-negro(a)s e não para desfrutarem da piscina, dos salões, dos restaurantes, dos campos de golfe e das quadras de tênis. Separadamente, a raça e a classe afetam nossas oportunidades; quando se juntam, então, uma afeta a outra e o resultado é mais desigualdade ainda. É por isso que se vêem tão poucos negros nos torneios de natação, de golfe e de tênis. Dizer que é uma questão de preferência esconde o fato que as nossas preferências também são influenciadas pela nossa classe e a nossa raça, não porque sejam biológicas, mas porque o meio afeta o indivíduo. Indivíduos como a Althea Gibson (1927-2003), negra norte-americana que venceu torneios americanos, franceses e ingleses nos anos 1950, Arthur Ashe (1943-1993), “o único homem negro que já ganhou títulos em Wimbledon, no Aberto dos EUA e no Aberto da Austrália” e que ainda por cima era um intelectual com vários livros publicados, Yannick Noah, tenista francês de sucesso que seguiu uma carreira de cantor ao se aposentar, fizeram história por quebrarem barreiras visíveis e invisíveis.
Por falar em barreiras, tantos anos depois, surgiram as irmãs Williams – Venus e Serena –, que, ao contrário de tenistas anteriores, começaram a praticar o esporte por insistência do pai, Richard, que avistou ali uma oportunidade de sucesso para as filhas. Conta-se que ele foi à biblioteca, aprendeu sobre o esporte pelas fitas de vídeo cassete que pegou emprestado e depois treinou Venus, a mais velha, em quadras públicas. Serena ficava olhando de longe, toda interessada, de modo que ele passou a treiná-la também. Não preciso dizer muito sobre as irmãs porque seu sucesso estrondoso é muito conhecido, mas preciso lembrar o quanto foram criticadas por usarem uniformes coloridos, megahair esvoaçante e por não se enquadrarem na imagem tradicional da tenista, i.e., branca e menos musculosa. Quer elas quisessem quer não, só a presença delas já era uma forma de protesto ao tênis tradicional.
Tudo isso para chegar à matéria que li hoje ao acordar. Naomi Osaka, jovem tenista que atualmente ocupa o quarto lugar no ranking internacional, vem enfatizando o movimento contra os assassinatos de negros e negras nos EUA (Black Lives Matter) durante a sua participação no Aberto dos EUA, aqui em Nova Iorque. Em cada partida que ela disputa, Naomi exibe o nome de uma pessoa atacada ou morta injustamente nos últimos anos. Nesta semana, ela recebeu agradecimentos da mãe do Trayvon Martin e do pai do Ahmaud Arbery que a deixaram profundamente emocionada. Modesta, ela acha que é o mínimo que ela pode fazer para mobilizar o mundo sobre essas injustiças, pois sabe que os torneios de tênis são transmitidos para o mundo todo.
Esta não é a primeira vez que Naomi Osaka chama a atenção devido a questões raciais. Filha de mãe japonesa e pai haitiano, Naomi se identifica como birracial; nascida nos EUA, ela tem dupla cidadania e opta por representar o Japão nos torneios. Quando ela venceu o Aberto dos EUA dois anos atrás, comentaristas se referiram a ela como “a japonesa”, mas sua aparência me fez fazer um Google e aprender que a mídia escondia um lado da sua identidade que ela faz questão de afirmar. Sua vitória sobre a Serena Williams, seu ídolo, foi muito comentada, até porque Serena se revoltou contra uma decisão do juiz e se expressou veementemente. Serena perdeu o jogo e o título, mas elogiou Naomi no seu discurso. Um cartunista australiano retratou a cena com uma Serena caricaturalmente negra e uma Naomi inexplicavelmente branca. Para mim que estudo formação de identidade, o episódio me marcou por ilustrar como o parecer dos outros tenta se impor à auto-imagem das pessoas.
Postei aqui um vídeo esclarecedor que achei no YouTube sobre as várias máscaras que a Naomi já usou. O narrador é Rick Strom, apoiado por imagens e citações; vale a pena lhe assistir.
Naomi Osaka leva ao tênis o protesto contra as vidas negras que se perdem cruel e banalmente. E assim, ela contribui para tornar esse esporte menos elitista e o momento atual menos amargo.
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