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Writer's pictureVânia Penha-Lopes

VINÍCIUS Jr. E OS EUGENISTAS DE PLANTÃO


Em 2007, quando estava no Rio fazendo meu pós-doutorado, fui com uma amiga ao Maracanã num domingo assistir a Botafogo x Vasco. A ida era significativa não só porque, como uma botafoguense expatriada, aproveito minhas estadas na minha cidade-natal para torcer pelo meu time, mas também porque o Romário, que à época jogava no Vasco, havia prometido marcar seu milésimo gol em cima da gente. Além de não ter marcado o gol, o Vasco ainda perdeu.

Essa memória seria melhor ainda se não fosse acompanhada de outra bastante desagradável. A um certo momento, o juiz marcou uma falta contra o Botafogo, comportamento que nós torcedores condenamos imediatamente. Eis que ouço uma voz feminina e jovem bem atrás de mim proferir: "Só podia ser preto!" Ato contínuo, virei-me em direção à voz. Ela tinha vindo de uma moça branca, sentada na arquibancada imediatamente acima de mim, junto com um rapaz também branco. Eu a fitei com um olhar fixo, o que fez o rapaz, claramente envergonhado, admoestá-la, dizendo algo como “Fulana, pra que você foi dizer isso?”; ela nunca olhou pra mim e nem disse mais nada. Continuei a encará-la, sem nada dizer, até o casal mudar de lugar.

Nos quinze anos desde então, temos visto muitos casos de racismo no futebol. No Brasil, a gremista que chamou o goleiro Aranha de "macaco" foi identificada e subseqüentemente banida dos estádios. Uma flamenguista que postou uma foto com o Vinícius Jr. leu o comentário "Dois macacos" na sua rede social. Na Europa, jogaram uma banana na direção do Daniel Alves no gramado; ele a pegou e a comeu, desafiando a alusão do gesto. Na Argentina e no Chile, torcedores locais imitaram macacos ao se dirigirem aos flamenguistas que haviam viajado até lá para assistir a jogos de competições sul-americanas. De nenhuma forma essa lista é completa, pois os incidentes de racismo no futebol têm aumentado ultimamente.

Em 15 de setembro de 2022, já como craque do Real Madrid e da Seleção, Vinícius Jr. foi novamente alvo do pernicioso racismo. Num programa de TV, o empresário espanhol Pedro Bravo demonstrou sua irritação com as dancinhas que o jogador faz para comemorar seus gols: ele as acha falta de respeito, pois os gramados espanhóis não são "sambódromos". Não satisfeito, sugeriu que o brasileiro pare de "se fazer de macaco".


Como tudo o que acontece atualmente viraliza numa questão de horas, o comentário virou notícia global. E como é de praxe atualmente pra quem é pegado com a boca na botija, o Sr. Bravo tratou de se desculpar e insistir que não quis ofender ninguém. Será que não mesmo? Será que ele convenceu alguém?


Ao meu ver, ele ofendeu Vinícius Jr. duplamente: com racismo e com xenofobia. Xingar os negros de "macacos" é mais velho que os meus avós. Quando o movimento eugenista se popularizou nos EUA, na Europa e no Brasil com sua espúria ciência que "explicava" a inferioridade racial, os não-brancos eram sempre relegados à condição de "primitivos", mas os negros em particular eram igualados aos macacos; nas exposições universais da virada para o século XX, negros africanos e outros povos do Pacífico até foram expostos em jaulas. Essa insistência em categorizar os negros como os mais próximos dos outros primatas ilustra a idéia que não evoluímos como os outros seres humanos, o que era uma justificativa para a manutenção da escravidão no século XIX e para a negação de direitos civis aos seus descendentes até hoje.


Mandar o Vinícius Jr. ir dançar no sambódromo é um desejo xenofóbico. Como ousa o sul-americano -- ainda mais negro -- comemorar suas vitórias na terra dos colonizadores? É fato que os espanhóis não nos colonizaram, mas somos uma ex-colônia portuguesa e Portugal caiu sob o domínio espanhol durante décadas, de modo que fomos súditos da coroa espanhola por tabela. O Brasil é visto como a terra do samba. Então, que o samba se restrinja às nossas terras; ai daqueles que levam aquela dança para gramados europeus!


Além disso, na lógica eugenista, a dança solta – principalmente a que se baseia nos movimentos dos quadris – é mais uma prova do “primitivismo”. Segundo essa lógica, usar bem o corpo é sinal de sensualidade e de falta de capacidade intelectual, pois é simplesmente “natural”. O absurdo dessa lógica racista é presumir que o cérebro fica inativo enquanto se usa o corpo. É assim que muitos pensam quando enaltecem as qualidades cinéticas dos negros e ignoram seus êxitos mentais. E como, em várias partes do mundo, o povo brasileiro é classificado como não-branco, mandar o Vinícius Jr. ir dançar no sambódromo combina o racismo com a xenofobia.


A ofensa a Vinícius Jr. é mais uma a ilustrar o fato que, longe de ser "mimimi" ou "vitimismo", o racismo continua vivo e atuante. Porém, a reação dele demonstra que o combate ao racismo continuará, com atitudes, palavras e movimentos corporais (inclusive dançando). Aos eugenistas de plantão, resta se acostumarem com isso ou então se afastarem (pois "os incomodados que se mudem"), calarem-se (pois "em boca fechada não entra mosca") ou tratarem da sua raiva "tirando as calças pela cabeça". Já o Vinícius Jr. vai continuar fazendo gols, dançando, ganhando muito bem e sendo feliz.

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