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Writer's pictureVânia Penha-Lopes

TIA ODETE



Hoje, a dona Maria das Dores Rodrigues, mais conhecida como Dona Odete, completa 90 anos. Como o tempo passa!


A Tia Odete é co-cunhada (alguém mais ainda usa esse termo?) e amiga da Mamãe desde 1946. Ela era irmã do Tio Zeca, de quem não lembro, que foi casado com a irmã mais nova da Mamãe e que a Mamãe diz que chamava a Dilma de "Meio Quilo" e a mim de "Quilo e Meio" (ela era magrinha e eu, rechonchudinha). Ela é mãe da Carmen Lucia e da Sonia Rodrigues e avó da Flávia Rodrigues Pinheiro, do André e da Renata Teixeira.


Tia Odete também é a nossa segunda mãe. Era ela que levava a Dilma e a mim à escola e nos buscava, que lavava e passava os nossos uniformes (cujas camisas eram tão brancas que chegavam a ser azuladas) e se certificava de que os nossos deveres de casa eram completados com capricho (a gente retribuía ganhando medalhas de ouro todos os anos na escola). Assim, era possível a Mamãe trabalhar em tempo integral. Eu e a Dilma nunca ficávamos sozinhas; crescemos com um pai presente, uma mãe presente e outra mãe presente.


Quando eu tinha três anos e a Dilma entrou pro jardim de infância, insisti com nossos pais para que me deixassem acompanhá-la. Eu queria aprender a ler e a escrever! No fim eles concordaram, mas aí, a gente ia pro Jardim de Infância Patinho Feliz e eu chorava na hora de entrar. Para me consolar, a Tia Odete me dizia que ia ficar lá enquanto eu estivesse em sala. Então, ela nos deixava na escola, voltava pra casa e, na hora do recreio, voltava pra escola só pra acenar pra mim. Eu ficava mais feliz que o patinho achando que ela tinha ficado horas me esperando pra me dar tchauzinho.

Depois, ela corria pra casa (tudo a pé) e retornava às 17h pra nos buscar. Durante anos, acreditei piamente que ela passava o dia inteiro na escola; de repente, eu achava que ela era onipresente.


A Tia Odete era o nosso relógio. Todas as manhãs ela nos acordava, nos apressando. Tudo era corrido, pois não podíamos nos atrasar; segundo ela, "a missa se espera na igreja". Taurina típica, ela determinava o horário do almoço, de fazer dever, de se arrumar, de sair de casa. E a gente sempre adiantada! Só fui aprender a ver hora decentemente aos 17 anos, quando passei pra UFRJ e ela se mudou lá de casa, dizendo que sua missão estava cumprida. E, talvez por rebeldia, talvez porque não entendo bem de tempo (haja visto o título do meu primeiro poema, que escrevi aos oito anos de idade, "O Tempo Passou e eu Não Vi Passar"), o certo é que só parei de me atrasar rotinamente quando vim morar nos EUA.


A Tia Odete é muito afinada. Ela queria ter sido cantora lírica, mas essas oportunidades não eram fartas para uma órfã de pai de poucas posses naquela época. Fico feliz que a sua neta Flavinha herdou dela o talento musical e já até ganhou prêmios internacionais como integrante de um coral.


Tia Odete não teve chance de estudar muito, mas era (é) super criativa. Uma vez, quando eu estava no primário, fui escolhida pra representar a chuva na festa da primavera da nossa Escola Carioca. Ela bolou um vestido cheio de tiras de plástico cinza que ficou ótimo. Quando a Dilma estava no 1º. ano ginasial e teve uma aula sobre a respiração humana no curso de Ciências, Tia Odete teve a idéia de criar um sistema respiratório pra ela: dentro de uma garrafa plástica, ela enfiou um tubo que se bifurcava e comportava uma bola de encher em cada extremidade. Ela cobriu a boca da garrafa com um pedaço de bola de encher bem esticado. Então, quando a gente soprava o tubo (o "nariz"), as bolas (os "pulmões") se enchiam. Isso tem tempo à beça, mas me marcou pra sempre.


Tenho muitas mais histórias, pois são muitos anos de convivência, e posso contá-las a quem quiser ler ou ouvir. Por hora, volto a enfatizar a importância que esta data tem pra todos nós que temos o privilégio de conviver com a Dona Odete, que chega aos 90 anos lúcida, viajada, zeladora de N. Sra. da Cabeça na Antiga Sé e consta até que ela continua a pular corda (eu vi e gravei). Só lamento que esta vida de semi-exílio que aparentemente escolhi pra mim me impede de estar ao seu lado hoje. Todo mundo foi à missa, menos eu. E isso dói.


Tia, guarda um abraço pra mim até o fim do mês!


Originalmente publicado no Facebook em 3 de maio de 2012.

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